segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Memórias: O palheiro

A Ribeira da Janela é uma das freguesias da Madeira onde o palheiro madeirense é mais genuíno. O maneio e a forma de estabulação dos bovinos tem, aqui, singularidades.
Com efeito, os tradicionais palheiros pouco evoluíram desde os primórdios da colonização da ilha. Na Ribeira da Janela é raro ver-se um palheiro coberto de zinco como noutras paragens. Aqui, os mais genuínos têm rés-do-chão e sobrado. A cobertura é quase sempre de telha. As portas são exíguas (raras são as de duas meias portas).
O sobrado tem piso de tábuas de madeira rudimentares e uma abertura junto à manjedoura para deitar erva ao gado. O soalho deixa aberturas entre as tábuas para permitir a ventilação e no topo do telhado há quase sempre uma abertura para sair o ar. Até havia quem dormisse no 'quentinho' do sobrado (calor libertado, desde os rés-do-chão, pelo animal) em vez de dormir em casa. O sobrado é para guardar a feiteira e outras alfaias agrícolas (cordas, enxadas, etc.).
Existiam também alguns estábulos em furnas cavadas na rocha, mesmo à beira de precipícios e veredas. Quando o gado tinha de sair, para cópula com o garanhão ou mesmo definitivamente para abate, havia casos em que o animal e as pessoas que o seguravam abicavam-se.
Os palheiros hermeticamente fechados, escuros e acanhados existem. As aberturas (janelas) são mínimas até para evitar a entrada d indesejados mosquitos. Mas há outros 'modernos' onde a pedra solta das paredes deu lugar aos blocos. A
mangedoura tem um ou dois degraus para que o animal chegue à forragem, sobretudo quando o palheiro é limpo e o adubo retirado. Estrume, rico em azoto e potássio, que fica no logradouro até ser levado em sacas ou aos molhos para fertilizar a terra.
Nos palheiros tradicionais não há bebedouro. A água é dada ao animal manualmente, pelo produtor, numa vasilha ou balde, uma ou duas vezes ao dia, nas vezes em que, pacientemente, o dono vai ao palheiro dar de comer ao gado. Uma rotina que a malta nova já não tem paciência para cumprir.
O palheiro da Ribeira da Janela é único. Efectivamente, segundo Daniel Bravo, um inquérito levado a cabo no longínquo ano de 1948 revelou que existiam 19 formas diferentes de albergar o gado. Uns mais confortáveis do que outros para a ordenha das vacas, a gestação, a alimentação, a cama do gado (adubo), etc.
Porque, nalguns casos, os palheiros são de pequena dimensão, o agricultor tem a percepção empírica de que o gado precisa de espairecer. Daí que seja recorrente, de quando em vez, trazer o gado para fora do palheiro para pastar nas redondezas, num misto de estabulação/pastagem.
Os palheiros servem também para albergar o gado da serra, na temporada mais rigorosa de Inverno. As rezes mais pequenas encontram nele o conforto antes de rumar à serra.
Conclusão: Urge preservar os palheiros em nome do seu valor cultural, sentimental e paisagístico. Ainda que para outras funcionalidades.

nota: Para elaborara este 'post' socorri-me de Daniel Bravo da Mata (médico veterinário da ex-Direcção Regional de Pecuária) que chegou a propor um modelo arquitectónico de palheiro madeirense que proporcionasse mais conforto aos animais.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Relativizar Saramago

"O Deus da Bíblia não é de fiar". "A Bíblia é manual de maus costumes". "Não existe nada de divino na Bíblia, nem no Corão". "A Bíblia é um desastre, cheia de maus conselhos, como incestos e matanças".
Estas expressões são atribuídas aos prémio Nobel português, José Saramago. O mesmo que diz que a Bíblia "tem coisas admiráveis do ponto de vista literário" e "muita coisa que vale a pena ler".
Ora, é nesta aparente contradição, diria encantamento de Saramago pela Bíblia, que deve ser vista a questão. Não com pedras prontas a crucificá-lo nem com fundamentalismos balofos.
A Bíblia vale o que vale. Para os Católicos vale muito. Cada um é livre de a interpretar, de a seguir ou de a criticar, do mesmo modo que Saramago também é livre de o fazer.
E não esqueçamos que é preciso dar a estas polémicas do desconto dos golpes de publicidade para vender livros.
Digo isto com a admiração e a humildade de quem já entrevistou Saramago, em Lanzarote, na ressaca do anúncio da atribuição do Nobel da literatura, em 1998.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Memórias: Cessões

Creio que é assim que se escreve: Cessões. A empresa que ainda os faz (Fábrica de Bolachas 'Saborável', na Rua dos Ferreiros, assim o escreve).
Ora, os cessões, que agora se vendem em grupos de cinco, eram, há uns anos, o biscoito favorito dos pobres. Não havia mercearia, no Campo, que se prezasse que não os tivesse expostos na prateleira. E, à noite, a pequenada adorava quando o pai chegava a casa com eles.
Quantas vezes vi pequenos, nas imediações das mercearias, a beber uma laranjada e a comer um cessão.
Os cessões são biscoitos de forma ovalada (muito parecidos com os da foto), mais ou menos da dimensão de uma mão aberta, que, na sua confecção, levam açúcar, farinha, margarina, mel de cana e fermento.
Como são secos (tipo bolachas), têm a particularidade de aguentar muito tempo antes de ser consumidos sem que percam qualidades.

Não idolatrar imagens!

A imagem peregrina de Fátima está na Madeira. A Diocese empenhou-se nesta missão. Mas é preciso relativizar as coisas... ou melhor, não esquecer o essencial. E o essencial é a mensagem e não a imagem se bem que esta possa levar àquela.
Na Bíblia Católica, o Livro da Sabedoria condena como nenhum outro a idolatria (Sb 13-15). Na Sagrada Escritura há outras passagens que condenam a confecção de imagens como por exemplo: Lv 26,1; Dt 7,25; Sl 97,7 e etc. Mas também há outras passagens que defendem a sua confecção como: Ex 25,17-22; 37,7-9; 41,18; Nm 21,8-9; 1Rs 6,23-29.32; 7,26-29.36; 8,7; 1Cr 28,18-19; 2Cr 3,7,10-14; 5,8; 1Sm 4,4 e etc.
Será, então, que a Igreja Católica ensina a adoração de imagens?
Não quero acreditar que sim. Quero crer que Deus condena a idolatria e não a confecção de imagens. Quando o objectivo da imagem é representar (e não mais do que isso), estamos de acordo.
Quando pretende ser um ídolo que ofusca a adoração devida a Deus (e a ele somente), a imagem é abominável.Porém quando é utilizada ao serviço de Deus, no auxílio à adoração a Deus, ela é uma bênção.
Faço votos para que esta seja a missão da Imagem peregrina na Madeira, até Maio de 2010.
Tudo o mais é 'show off'...

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Memórias: Rosquilhas, cuscuz, torresmos e açorda

Da farinha de trigo nasciam as rosquilhas. As caseiras. Tendidas por mãos hábeis como as da minha avó ou por mãos de menino inexperiente como as minhas. Lá em casa, sobretudo pelo Natal, na amassadura havia sempre um tabuleiro de brindeiros e de rosquilhas tendidas pelos mais pequenos. A imaginação era o limite. Havia rosquilhas de formas bizarras, outras em forma de coração, outras de 'boneca'. O resultado era o mesmo: acabavam sempre por ser comidas.
Também povoa a minha memória de infância a preparação do cuscuz caseiro. Essas minúsculas bolinhas disformes de massa feitas à base de sêmola de trigo que acompanhava a Ceia de Natal. O cuscuz, hoje produzido de forma industrial, era alimento dos pobres. E que bom era à mesa em substituição do arroz que hoje domina.
Outra delícia culinária eram os torresmos. Não os secos que hoje se compram aos pacotes de supermercado mas os genuínos. Feitos de pele de porco com gordura e, aqui e ali, com pedacinhos de carne febra. Cortados em pequenos pedaços e fritos eram de morrer. Secos e estaladiços não eram de desperdiçar. Falo dos torresmos genuínos (o que restava da banha de porco).
Finalmente, lembro-me como hoje da açorda. Não da alentejana mas da madeirense. Do norte da Madeira. Era uma açorda simples como simples e pobres eram as mundividências. Levava água, segurelha, azeite (ou banha, ou margarina) e um ovo por cada cabeça da família. Depois era só deitar em sopas de pão duro ou semilhas cozidas que tinham ficado da véspera.

sábado, 10 de outubro de 2009

Portugal 'quase" lá...

Foi preciso ir à 'Luz' para Portugal derrotar a Hungria por 3-0.
Estamos 'quase' no Mundial. Falta um 'danoninho'!

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Memórias: Dá-lhe que é da Calheta!

Desconheço a origem exacta da expressão mas, na minha infância, mais do agora, ouvi-a muitas vezes na Ribeira da Janela.
Talvez na sua origem estejam as ligações entre as populações da Calheta e da Ribeira da Janela feitas pelas serras do Fanal. Ligações comerciais e também de romarias.
E talvez seja nas romarias e nos arraias que se encontre a origem da expressão "dá-lhe que é da Calheta!". É que a rapaziada da Calheta vinha à freguesia namoriscar as moçoilas e era frequente, nos arraiais, haver zaragata por causa delas.
O "dá-lhe que é da Calheta!" pode ter aqui a sua explicação.
Se conhecem outra digam-me!
Depois passou a ser empregue para incentivar alguém a 'dar porrada' seja no sentido literal seja no sentido figurado (verbal).

terça-feira, 6 de outubro de 2009

O jovem maestro da Orquestra Clássica da Madeira (OCM), Rui Massena, ficou indignado com o Casino da Madeira, responsável pela gestão do Centro de Congressos onde a OCM costuma apresentar os seus concertos.
Qual o motivo da indignação?
Diz que no dia 1 de Outubro, Dia Mundial da Música, chegou ao Centro de Congressos e deparou com uma faixa publicitária da comédia 'I Love My Penis' (protagonizada por dois actores, Almeno Gonçalves, que interpreta o papel de 'André' na telenovela 'Flor do Mar', e António Melo, conhecido da série 'Os Malucos do Riso').
Massena indignou-se porque lona de publicidade com que a Orquestra divulga as suas actividades do trimestre foi abafada pela lona com a divulgação de uma peça de teatro para 17 de Outubro, com o sugestivo título de 'I Love My Penis'".
Comentários:
De mau gosto ou não, todas as artes têm direito a existir.
O que me preocupa é que a 'rebeldia' do jovem maestro parta de uma premissa errada: Dá a ideia que o Casino é o quintal da OCM e do Massena.
E como não tenho fraca memória, lembro-me do caso em que o maestro 'bateu o pé' e não deixou os professores efectuarem o seu congresso na sala do Centro de Congressos do Casino.
Respeito muito o maestro Massena mas dá a ideia que tem atitudes de menino mimado a quem se tira um gelado ou um rebuçado...

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Memórias: Lapiseiras BIC

Era a lapiseira mais barata e a mais usada na minha infância. Povoa o meu imaginário de então: A BIC toda 'ratada' por nervos à flor da pele, dentes de puberdade ou puro prazer de roer a ponta. Havia a BIC azul, a verde, a vermelha, a preta e... para os mais abonados, a laranja. Umas para escrever, outras para sublinhar o sumário.
Acontece que ficavam-se as BIC's e iam as tampas. Nem sempre se guardava a caneta BIC com a ponta para baixo. Resultado: as manchas nos estojos e na pasta eram frequentes. E dava azar lavar a pasta ou o estojo. Ainda se corria o risco de perder o ano.Ficam essas perguntas intrigantes: Por que razão existe um buraco no corpo das canetas BIC?
Agora sei que é para uniformizar a pressão dentro da caneta com a pressão fora dela. Essas aberturas, ou buracos no corpo lateral das canetas, basicamente ajudam a prevenir vazamentos de tinta. Aproximadamente 90% de todas as canetas tem essas aberturas para evitar vazamentos. O que nem sempre acontecia.
E porque razão, a 'tampinha' que encimava a caneta (era das primeiras a desaparecer às mãos de reguilhas) tinha também um buraquinho? Agora sei que era para evitar que alguém sufocasse caso a engolisse. O que não sabia e agora sei é que uma esferográfica BIC escreve entre 2 e 3 kilómetros. Que a BIC é uma empresa francesa com sede em Clichy.
Fundada em 1945, a fábrica é conhecida por fabricar produtos descartáveis de baixo custo. Diria que é a 'low-cost' das lapiseiras. E que há muitas referências às BIC. Até mete extra-terrestres. E quem leu o livro 'O Código Da Vinci', de Dan Brown, encontrou referências sobre as canetas BIC. Até Bill Gates, antes de criar o 'Windows', só assinava documentos com uma caneta BIC.