É caso único (ou quase único) na Madeira ou em Portugal.
Na freguesia da Ribeira da Janela, com uma área de 19,90km2 e pouco mais de 250 habitantes, os casais têm um “fame” na serra. São propriedades que não são privadas mas situadas em zona da baldio.
Presumo que a palavra “fame” seja um termo popular que deriva do inglês “farme”.
Sim porque, efectivamente, se tratam de talhões balizados por matas de onde os habitantes da Ribeira da Janela retiram material vegetal (estacas, urze para o 'amparos' -que protegem as vinhas, lenha, tanchões, feiteira, etc.)
Era lá que se ia buscar lenha para o lume (ou para abastecer a paradia), esteios ou tutores para as vinhas e hortas, rama e feiteira para sustento e cama do gado, etc..
Lá mais para trás no tempo, se faziam as esmoitadas limpando os terrenos de giesta ou “carquejas” (tojo) para plantar trigo ou aveia. Também se ia buscar a uveira para o gado e as bagas para o azeite de louro.
Desconheço quando começou a criação de “fames” mas sei que passam de gerações em gerações. Quem os abandona sujeita-se a que a Direcção de Florestas o “trespasse” a terceiros.
Sei que a 22 de Fevereiro de 1951 o Decreto-Lei n.° 38:178 mandou pôr em execução o Plano de arborização dos Baldios da ilha da Madeira, a par da protecção dos arvoredos existentes, autóctones ou exóticos.
Já antes o Estado havia concedido, deliberadamente, ao povo das freguesias do Seixal e Ribeira da Janela áreas para esmoitadas onde lhes é/era possível obter ao material vegetal necessária para a sua agricultura e em locais muito mais acessíveis do que os píncaros das montanhas onde antes iam furtivamente cortar ou incendiar as urzes para tornar viável o desenvolvimento da feiteira.
Também sei que para cortar-se qualquer árvore ou arbusto era e é preciso que o 'proprietário' do 'fame' faça um pedido às Florestas, as quais autorizam ou não (normalmente vedam o corte de tis, louros e outras espécies da laurissilva), e, se necessário, acompanham o corte através de pessoal técnico (guardas florestais).
Os 'fames' ficam entre o “ponto” e um pouco abaixo do Fanal, um magnífico santuário de tis e vinháticos centenários.
Um pouco mais acima, no Fanal de Cima, ficam os talhões dos habitantes do Seixal que criaram fios para mandar o material do cima da arriba para o Chão da Ribeira.
Certo é que, sobretudo no Verão, a azáfama nas serras da Ribeira da Janela era grande. O povo era madrugador porque isto de lidar com feiteira tem a sua “ciência”. Tinha de ser ainda sereno antes de ficar áspera.
A comida era feita na serra. Normalmente semilhas murchas com atum escabeche. Era também um ponto de encontro para reunir familiares, emigrantes e outros “senhores doutores” que só aparecem no Verão e, normalmente, só para comer.
C'ma Diz o Outro #101
Há 5 dias
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