segunda-feira, 6 de abril de 2009

Memórias de infância: Apanhar lapas

É daquelas coisas que só os Ilhéus e os habitantes das zonas costeiras sabem apreciar.
Outrora com mais liberdade (no meu tempo de meninice), hoje com regras mais apertadas (a apanha das lapas está regulamentada).
E se há coisa que eu gostava de fazer era apanhar lapas na maré vazia. Sobretudo no Verão, no início de uma jornada de vindimas.
Era uma espécie de bálsamo (que nem o ter de acordar cedo ou a água fria importunava) antes das tarefas mais árduas. Era assim na boca da Ribeira, no Cantinho, Entre os Furados, na Cova da Enseada ou nas Contreiras. Sítios predilectos para a apanha da lapa.
A cevadeira (espécie de bolsa de serapilheira, a tiracolo), a lapeira (convinha não a afiar antes porque dava azar) eram os instrumentos necessários. Por vezes uma lanterna ajudada mas quem queria, também, apanhar caramujos convinha não a usar.
E a maneira que mais gostava de as comer eram cruas, apanhar e comer logo de seguida.
Não tinha tamanho, nem jeito nem equipamento para apanhar lapas de mergulho. Por isso, ficava-me pelo calhau e só me aventurava até um determinado sítio não viesse uma onda mais alterosa arranhar-me os tornozelos ou fazer mossa maior.
Há muitos espécies de lapas, umas apanham-se nas pedras do calhau, outras fixam-se nas pedras mais profundas.
Uma análise empírica diferencia as duas: As "pretas" mais à babuje, as "amarelas" mais dentro.
Por vezes, lá conseguíamos umas cracas e uns búzios.
Mas hoje, quero falar das Patellae (lapas).
Nem imaginam a emoção que era ir às lapas!
"Varrer" o calhau para as apanhar! Os mais velhos e afoitos pelo mar dentro e os mais novoas à babugem.
Juntar familiares, dois ou três amigos e percorrer o calhau.
Uns de meias, outros descalços, uns de boxers, outros de fato-de-banho, mas com uma coisa em comum… uma lapeira! As vezes eram facas partidas outras vezes feitas de arcos de pipas.
Todos ao mar e fé em Deus! Quem iria conseguir apanhar mais?
Ao fim de uma hora ou duas lá se abriam as cevadeiras para ver o resultado final.
Uns mais contentes do que outros.
Outros a lamentar-se que o mar levou uma boa 'maquia' que já havia sido apanhada.
No regresso a casa, havia duas tarefas: Uma era separar as lapas grandes (para grelhar) das pequenas (para arroz de lapas ou caldeiradas). A outra tarefa era cozer os caramujos em água a ferver. Depois era comê-los com os alfinetes que a mãe ia buscar aos artefactos da costura.
Valeram os corpos molhados, as unhas partidas, as pernas arranhadas e os bons momentos passados com familiares e amigos!

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