Em Agosto eram corsas às dezenas.
Desciam a uma velocidade vertiginosa e subiam às costas de um ou dois homens.
Entre dois dedos de conversa sobre as peripécias do carro de carga que se esborralhou ou que pendeu à banda. Com gente em cima da carga entre eles a pequenada que fazia birra para a montar.
Ou sobre as peripécias da corsa que virou (às vezes com gente em cima) e foi parar ao poio em viagens anteriores e que por pouco não apanhou os pés de quem a conduzia.
Deixavam um trilho na rocha basáltica da calçada.
O piso calcetado em pedra, ajudado pelo sebo sobre os veios, era imagem de marca.
Ainda hoje se notam nalguns troços do velho caminho da Ribeira da Janela as marcas dos veios das corsas e dos rastos das gentes que outrora os subiram e desceram.
A corsa era esse veículo de arrasto, de forma rudimentar, destinado ao transporte de carga.
Na Ribeira da Janela não era puxado por bois (pelo menos no meu tempo).
Era movido por gente e usado no transporte de cargas. Sobretudo lenha da serra, feiteira, urze, estacas para as latadas, rama de pinheiro ou pipas (raramente na minha geração).
Desciam até às casas e subiam até à Voltinha (era este o último sítio onde os camiões deixavam a carga da serra).
Distinguiam-se claramente das carretas (com rodas) usadas no transporte de semilhas, adubo orgânico (rama para replantar e dar batata doce), etc..
A corsa era simplesmente construída de uma prancha de madeira, com cerca de dez palmos de comprimento e quatro de largura em forma de rectângulo alongado.
À frente da prancha, quase sempre de madeira de til ou faia (pinheiro em certos casos, barrotes já numa fase adulterada), era atada uma ou duas cordas para a guiar.
Algumas traves da prancha eram cruzadas para evitar que se distorcesse. À frente, para evitar topetões, poderia ser forrada de duas chapas de folha ou simplesmente bem torneadas na diagonal.
Era este veículo de arrastar, que parece derivar do latim 'cursus', que ocupava as ruas da aldeia, sobretudo no Verão.
Na Ribeira da Janela ninguém a designava por 'zorra' mas, nalgumas zonas da Madeira, assim se chamava embora aplicada a certo veículo de rodas e só muito restritamente a um carro de arrasto.
Também não era um trenó, de origem francesa, esse para usar no gelo que aqui não temos.
A palavra regional 'corsa' (diria com a categoria de vernácula), sem mais explicações, está nos ouvidos da minha geração.
Da minha e de muitas uma vez que já em 1687 se aludia à corsa, sendo de crer que este veículo existisse já na ilha nos primeiros tempos da colonização.
C'ma Diz O Outro #100
Há 4 dias
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