sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Memórias de infância: Fajã das selhas

Era e continua a ser um sítio encrostado no íngreme vale da Ribeira da Janela.
Chama-se fajã das selhas. Creio que não será fajã “das selas” (selas para aparelhar cavalos) nem tão pouco “das celas” (aposentos para prisioneiros) nem ainda “das celhas” (pestanas; ou pêlos ou sedas que nascem no fio marginal das folhas de certas plantas) embora plantas desta última tipologia lá existissem.
Era mesmo fajã das selhas (vaso redondo de madeira de bordos baixos) por o local ser uma zona vinícola, haver alguns lagares e as selhas serem empregues nas lides da tranfega e feitura do vinho. Parece-me o nome mais lógico.
Para lá chegar era necessário descer uma íngreme vereda mas a pequenada estava habituada a calcorrear o campo.
Diria que a fajã das selhas era a nossa instância balnear. Porque, no fundo da ribeira, havia um poço natural onde a criançada, aos magotes, se dedicava à mergulhança. Foi lá que dei as primeiras braçadas.
Era um a querer fazer o melhor mergulho do que o outro. Os vários patamares da rocha serviam de pranchas improvisadas.
Às vezes também havia selhas, de molho, na água corrente da ribeira, sobretudo nos preparativos da vindima.
As selhas ficavam de molho para inchar e, assim, vedar as aduelas das fugas de líquido.
Os garotos, esses, estendiam-se na rocha qual lagartixas.
De quando em vez, um mergulho na água.
Eram como peixes a nadar, saindo depois dali molhados, quais pintos ao sair da casca.
Por vezes a roupa despida enxugava ao sol.
Outros mais afoitos aventuravam-se na pesca das irozes (trutas se sorte houvesse), ribeira aciam ou ribeira abaixo, para grelhar o petisco lá mais para a tarde.
No regresso a casa, ainda havia tempo para penicar, aqui e ali, na subida pachorrenta da vereda, um ou outro figo, uma ou outra nespera.
E o menos que os esperava era uma sova de sapato ou de correia ao chegar, já pardo, a casa, sem ter avisado a mãe que o dia seria passado ma fajã das selhas.
Isto para as mães que não acompanhavam os filhos aproveitando a ocasião para lavar a roupa na ribeira, pô-la a coarar, dobrá-la e trazê-la enxuta, ao final da tarde, à cabeça, para casa.
Se a necessidade obrigasse, havia quem à ribeira se dirigisse para tirar alheia, colocá-la num montinho, para, mais tarde, carregá-la, às costas, para as obras em casa.
A ribeira eram também utilizada para lavar o debulho.

1 comentário:

amsf disse...

Quando se começa a recordar a infância com saudade é sinal que estamos a ficar velhos! LOL!